Lucas 7,36 - 8,3.
“A quem foi perdoado pouco, demonstra pouco amor”
O
trecho de Lucas de hoje - por sinal riquíssimo - trata de três temas
características deste Evangelho:
- a misericórdia de Deus
- o relacionamento de Jesus com
as mulheres
- o perigo que todos nós
corremos de nos considerarmos “justos”, desprezando os outros.
Lucas é um verdadeiro artista de
palavras. Seria quase impossível ler ou
ouvir este trecho sem imaginar a cena.
Jesus e os convidados, não sentados à mesa, como nós no ocidente, mas reclinados
sobre almofadas; a chegada da mulher, desprezada na vila por todos, com certeza
sentindo-se humilhada, mas movida por uma força maior que a faz enfrentar
corajosamente o desprezo dos outros e penetrar por dentro da casa de um fariseu
- coisa inédita! Mas quem é impulsionado
pelo amor e pela experiência de Deus não mede esforços. Depois, as lágrimas - não de tristeza, mas de
gratidão, de alívio, de uma profunda alegria do ser - o enxugar dos pés, o
perfume.
E a reação de Simão, o fariseu! Ele, que se julga “justo” e não “pecador” -
com razão, segundo os critérios da sociedade e da religião oficial do tempo -
se dá o direito de julgar tanto a mulher, como a Jesus. Para ele, como para muitos de nós, ser justo
é cumprir as leis, e assim deixar de ser pecador. Cumprir as leis, Simão faz com afinco! Assim, ele se justifica (se torna justo),
dispensando, na realidade, a graça e o perdão de Deus. Quem considera que não esteja necessitado de
perdão, jamais será capaz de entender a sua força transformadora, que nos
capacita para o amor.
Jesus, porém, reage de uma maneira bem
diferente. Através da parábola dos dois
devedores, ensina que é a experiência de ser perdoado que leva ao amor. Não o contrário! A mulher na história não foi perdoada porque ela antes
muito amou, mas muito amou porque ela foi antes perdoada!! O amor é a conseqüência da ação do perdão de
Deus. Quem nunca foi perdoado,
dificilmente vai perdoar; quem nunca foi amado, terá dificuldade em amar. O perdão de Deus não é a reação d’Ele à nossa
iniciativa de amar - pelo contrário, é Deus quem toma a iniciativa de perdoar,
e essa experiência de sermos perdoados nos capacitará para que possamos
amar. O nosso amor é a nossa resposta à
iniciativa gratuita e amorosa do Pai - não temos que conquistar este amor e
este perdão, nem merecê-los, mas aceitá-los, assumi-los e responder a eles. Com
certeza, esta mulher deve ter se encontrado antes com Jesus na vila e, talvez
pela primeira vez sentiu-se amada e perdoada por Deus. Assim transborda de alegria e emoção, fazendo
o que fez na casa do fariseu.
Todos nós corremos o risco de agirmos
como Simão! A sua formação rígida e
legalista o impediu de acolher a mulher e também de reconhecer em Jesus a
compaixão e misericórdia de Deus. Muitas
vezes temos recebido uma formação espiritual que na verdade era em grande parte
“farisaica”, baseada no cumprimento de leis e práticas externas de piedade, que
são importantes, como se nós pudéssemos nos justificar diante de Deus. Temos de refazer a experiência de Paulo,
fariseu ferrenho, que descobriu que nenhuma prática religiosa - por tão
importante que seja - pode nos justificar.
A vida de Paulo mudou quando ele fez a experiência da gratuidade do amor
de Deus, e o resto da sua vida foi uma resposta a este amor gratuito. Mas a conseqüência de uma formação errada
pode ser de nos darmos o luxo de julgar, classificar e desprezar os outros, que
são “pecadores”, conforme os nossos critérios.
Cuidemos com o fermento dos fariseus!!
Este trecho dá
grande destaque às mulheres. Jesus
rompeu com as tradições patriarcais e machistas do seu tempo. Não só se deixou tocar por mulheres
“pecadoras” - assim, se tornando impuro conforme as leis do tempo - como se fez
acompanhar nas suas andanças pela Galiléia por várias mulheres, que faziam
parte do seu grupo de seguidores/as. Não
é claro se Lucas salienta este ponto para refletir a grande liderança de
mulheres nas suas comunidades, ou, pelo contrário, para contestar uma tendência
machista de cortar esta liderança, lembrando aos seus leitores que Jesus não
aceitava nenhuma discriminação baseada em gênero. Durante séculos a Igreja, em grande parte,
perdeu esta novidade de Jesus, assumindo os padrões patriarcais e machistas da
sociedade dominante. Devemos voltar a
esta visão de fraternidade e igualdade entre homens e mulheres, como pede o
Papa João Paulo II na sua Exortação Apostólica “Vita Consacrata”, quando ele conclama as mulheres a serem
protagonistas de um “novo feminismo”(VC
58):
“Por
certo, não se pode deixar de reconhecer o fundamento de muitas reivindicações
relativas à posição da mulher nos diversos âmbitos sociais e eclesiais. Do mesmo modo, é forçoso assinalar que a nova
consciência feminina ajuda também os homens a reverem os seus esquemas mentais,
o modo de se autocompreenderem, de se colocarem na história e de a
interpretarem, de organizarem a vida social, política, econômica, religiosa,
eclesial.” (VC 57)
Que o Evangelho de Lucas nos
ajude a recuperarmos as atitudes de Jesus, para que as nossas comunidades sejam
realmente comunidades de fraternidade, igualdade, perdão, misericórdia e amor!!
Tomaz Hughes SVD
e-mail: thughes@netpar.com.br
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