VIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO COMUM
(09.09.12)
Mc 7, 31-37
Os eventos
relatados no texto de hoje situam-se no território pagão de Tiro e Sidônia
(hoje, Líbano). Marcos faz questão de sublinhar o contexto geográfico - talvez
uma referência à missão aos gentios (pagãos) que marcava a sua Igreja. Mais uma
vez estamos diante de um milagre de Jesus que manifesta o poder de Deus que age
n’Ele, que causa espanto e alegria entre as testemunhas, e que leva Jesus a
proibir que a notícia se espalhe no território.
Em si, o relato segue o roteiro de tantos outros
- uma pessoa sofrendo (neste caso de surdez e incapacidade de falar
corretamente), a compaixão da parte de Jesus que o leva a atender o pedido de
uma cura, a cura em si, a proibição de espalhar a notícia (o chamado “Segredo
Messiânico) e a incapacidade das testemunhas de guardar o segredo.
A violação da proibição por parte da
multidão traz à tona a questão da verdadeira identidade de Jesus, dando a
impressão de que Ele é muito mais do que um simples curador! As palavras que
expressam o entusiasmo da multidão diante d’Ele (7, 37) são tiradas de uma
seção apocalíptica de Isaías, sugerindo que, nas atividades de Jesus, o Reino
de Deus se faz presente.
Mais uma vez
o Segredo Messiânico em Marcos nos faz perguntar sobe o seu sentido.
Provavelmente faz parte da insistência de Marcos de que Jesus é mais do que um
taumaturgo ou milagreiro, e que a sua verdadeira identidade só se revelará na
sua Cruz e Ressurreição. Pois é somente lá, e não diante dos milagres, que
Jesus é proclamado “Filho de Deus” por uma pessoa humana - o oficial que
exclamou ao pé da Cruz, vendo como Jesus havia expirado: “De fato, esse homem
era mesmo Filho de Deus” (Mc 15, 39). Para Marcos, uma fé baseada nos milagres
é sempre ambígua, pois pode levar ao seguimento de Jesus por motivos errôneos e
duvidosos. Para corrigir essa tendência na sua comunidade, ele insiste que só
se pode proclamar Jesus com o título messiânico “Filho de Deus” ao pé da Cruz,
onde não há lugar para dúvidas, pois só se pode crer na fraqueza de Deus, como
diria Paulo, que é mais forte do que a força humana (1Cor 1, 25).
A
proclamação das testemunhas que Jesus “fez os surdos ouvir e os mudos falar”
alude a Is 35, 5-6, que faz parte da visão apocalíptica do futuro glorioso de
Israel (Is 34-35, relacionado com Is 40-66). O uso aqui deste texto
vétero-testamentário indica que o futuro glorioso do novo Israel já está
presente no ministério de Jesus.
Podemos ver
um sentido mais simbólico, para os nossos dias, na cura relatada - o de abrir
os ouvidos e soltar as línguas. Pois, o sistema hegemônico de hoje, e os meios
de comunicação, frequentemente atrelados e coniventes, procuram em geral tapar
os ouvidos do povo diante dos gritos dos sofridos; pois, fazem questão de
camuflar a realidade sofrida de milhões, escondendo a realidade ou
banalizando-a, como fica claro na maioria dos noticiários de televisão. Também
as forças dominantes deixam cada vez mais os excluídos sem voz - só pode ter
voz ativa quem produz e consome, na nossa sociedade materialista e consumista.
Diante da surdez e mudez físicas, Jesus cura! O evangelho e a atividade
evangelizadora das igrejas devem ajudar as pessoas para que ouçam o grito dos
oprimidos e para que ajudem a devolver a voz àqueles a quem lhes foi tirada.
Dia 7 de setembro é o dia do Grito dos
Excluídos - uma maneira de as Igrejas e todas as pessoas de boa vontade
assinalarem que a nossa luta está em favor dos excluídos e menos favorecidos, e
que essa atividade não se limita a um passeata neste dia somente, mas que é a
tônica da nossa ação evangelizadora, retomada com muita força no Documento de Aparecida e em tantos
outros documentos do Magistério e da CNBB.
“Jesus
fez bem todas as coisas - fez os surdos ouvir e os mudos falar!” Que se possa
dizer isso de todas as Igrejas e pastorais - que ajudamos a devolver a
capacidade de ouvir os gemidos dos sofredores a tantas pessoas ensurdecidas
pela ideologia dominante, e que ajudamos os sem-voz a recuperar a voz ativa,
nas decisões das Igrejas e da sociedade em geral.
Pe. Tomaz Hughes
SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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