Lucas
4,21-30
“Nenhum
profeta é bem recebido na sua pátria”
Não é fácil entender o desfecho da visita de Jesus
a Nazaré, logo após o seu batismo. É muito violenta a mudança de atitude dos
Nazarenos - da admiração à fúria. Talvez Lucas tenha unido dois acontecimentos
em uma só história. Mas, seja como for, alguns pontos importantes saltam aos
olhos.
Em primeiro lugar “todos aprovavam Jesus, admirados
com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca” (v. 22). Com certeza,
essa reação não foi causada pela oratória de Jesus, nem porque soubesse usar
“artifícios para seduzir os ouvintes” (1Cor 1, 4), como fazem tantos pregadores
e políticos o fazem hoje. Não, foram palavras cheias de encanto porque brotaram
da sua intimidade com o Pai, da sua espiritualidade profunda, da sua capacidade
de compaixão, da coerência entre a sua fala e a sua vivência. Aqui há um
desafio para todos nós - de deixar que sejamos tomados pela Palavra de Deus, de
tal maneira que a nossa palavra não seja mais a nossa, mas, a manifestação do
Espírito que habita em nós. Só assim as nossas palestras e pregações surtirão
efeito. Ao contrário, por tão eloquente que possa ser a nossa fala, seremos
“sinos ruidosos, ou símbolos estridentes” (1Cor 13, 2) - chamam a atenção, mas
não deixam frutos! Como disse em uma ocasião o Papa Bento XVI, “A Igreja não
vive de si, mas do Evangelho e encontra sempre e de novo sua orientação nele
para o seu caminho. É algo que cada cristão tem de ter em conta e aplicar-se a
si mesmo: só quem escuta a Palavra pode converter-se depois em seu anunciador.
Não deve ensinar sua própria sabedoria, mas a sabedoria de Deus, que com
frequência parece estupidez aos olhos do mundo”
A reação dos vizinhos de Nazaré encontra eco muitas
vezes nas comunidades de hoje. É o pobre que não acredita no pobre! Jesus é
rejeitado por ser considerado o filho de José, um simples carpinteiro de
Nazaré. Quantas vezes, hoje, acontece que, em lugar de incentivar as nossas
lideranças das bases, os próprios companheiros de comunidade os rejeitam por
não serem “doutores”, por não saberem “falar bonito”, como sabem muito bem os
nossos exploradores! Parece às vezes que há gente que sente prazer em destruir
as lideranças. Mas, as coisas vão mudar só quando o pobre começar a acreditar
no pobre!
Outro motivo para tal reação, com certeza, era o
fato de Jesus desafiar os preconceitos e comodismo da comunidade nazarena,
usando os exemplos da ação de Deus em favor de um estrangeiro (Naaman, o sírio)
e uma estrangeira (a viúva de Sarepta). Pois, Jesus era um profeta e o profeta
sempre incomoda, pois nos desafia a sair de nossas fronteiras, e olhar o mundo
como Deus o vê. É difícil que alguém goste de ser incomodado, e por isso
preferimos com frequência criar uma religião de ritos e rituais, com certezas
absolutas que nos confirmam na nossa visão do mundo. Mas, a verdadeira religião
não é só de ritos (embora esses tenham grande importância na celebração da
nossa fé). É o seguimento de Jesus, que veio “para que todos/as tenham a vida e
a vida plenamente” (Jo 10, 10), vivenciando a solidariedade e a fraternidade
entre todas as pessoas, sem preconceitos nem exclusões. É triste ver em tantos
lugares hoje que a maior preocupação de muitas Igrejas parece ser com as
minúcias rituais, com um número cada vez maior de normas, decretos e rubricas,
enquanto se ignoram as grandes questões da humanidade, como a violência, a
exploração, a destruição da natureza, o extermínio de indígenas, e assim por
diante. Dificilmente se pode imaginar Jesus de Nazaré agindo assim. Por isso,
talvez se fale tanto nos programas religiosos dos meios de comunicação só do
Cristo glorificado, e tão pouco de Jesus de Nazaré, profeta perseguido por
causa das suas opções concretas em favor dos sofredores, sem levar em conta a
sua raça, religião ou situação social.
Jesus nos dá o exemplo de como enfrentar estes
problemas, diante de críticas e rejeição, quando realmente tentamos ser
coerentes com o Profeta de Nazaré . Ele “continuou o seu caminho” (Lc 4, 20). É
isso mesmo - apesar das críticas, da não-aceitação, das gozações, o cristão tem
que “continuar o seu caminho”. Jesus sofreu com isso, mas não se abalou, pois a
sua convicção não se baseava na opinião, aprovação e aceitação dos outros, mas
na oração, na interiorização da Palavra. Oxalá todos nós cresçamos neste
sentido, seguindo o exemplo do Mestre! Como recomenda a Carta aos Hebreus:
“Para que vocês não se cansem e não percam o ânimo, pensem atentamente em
Jesus, que suportou contra si tão grande hostilidade por parte dos
pecadores.”(Hb 12, 3)
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