Lucas 5,
1-11
“Senhor,
afaste-te de mim, porque sou um pecador”
A porta
de entrada desse texto, que nos traz a versão Lucana da “pesca milagrosa” (Jo
21, 1-14) é o primeiro versículo: “Certo dia, Jesus estava na margem do Lago de
Genesaré. A multidão se apertava ao seu redor para ouvir a palavra de Deus.”
Lucas deixa bem claro que o motivo de tanta gente buscar Jesus foi para “ouvir
a Palavra de Deus”. Não para ver milagre, não para receber esmola, nem cura,
mas simplesmente para “ouvir a Palavra de Deus”. E só se busca o que é
agradável, o que faz bem!
A
Palavra de Deus encorajava a multidão, fazia com que as pessoas se sentissem
amadas, aceitas, valorizadas. A Palavra de Deus era realmente “Boa Notícia”
para os humildes e sofridos. Nada deve - ou pode - substituir esta Palavra. A
Igreja ainda corre atrás do prejuízo de ter privado o povo durante séculos do
alimento da Palavra. O último Sínodo dos Bispos tratou do tema significante “O
Lugar da Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja”, e temos em mãos a
Exortação Pós-Sinodal “Verbum Domini”
do Papa Bento XVI. Felizmente muitas dioceses já têm os seus Planos de
Evangelização com destaque para a formação bíblica do povo. Cumpre fortalecer
cada vez mais a animação bíblica de toda a Pastoral. Resta o desafio de
criarmos ferramentas para que isso realmente aconteça. Nenhuma palavra humana,
por mais eloquente ou edificante que seja, pode igualar-se à Palavra de Deus.
Oxalá não repitamos os erros do passado! Que saibamos ver a ação do Espírito
Santo na grande procura da Bíblia entre as comunidades, especialmente entre os
mais pobres. Devemos levar a sério o que proclamou o Concílio Vaticano II no
seu documento dogmático Dei Verbum:
“A Igreja sempre venerou as Sagradas Escrituras da mesma forma como o próprio
Corpo do Senhor” (DV 21). Infelizmente, nem sempre se verifica a prática dessa
declaração!
Terminada
a pregação, Jesus pede que Simão “avance para águas mais profundas” (v. 4),
para lançar as redes. Pois, barca à beira-praia pesca nada! Como é tentador
para nós - a Igreja, as comunidades, os indivíduos - ficarmos seguros nas águas
rasas que não apresentam perigo, e tampouco frutos! Se quisermos ser realmente
“pescadores de homens” (v. 10) teremos que enfrentar as águas profundas da
vida, com todas as incertezas e inseguranças que isso acarreta. O mundo
globalizado pós-moderno urbanizado exige novas respostas pastorais, como tão
bem reconheceu o Documento de Aparecida.
Não é mais possível continuarmos nas nossas comunidades somente com uma
“pastoral de manutenção”, mas precisamos ousar dialogar com novas situações e
com o pluralismo do nosso mundo. Muito mais cômodo é ficar nas águas calmas e
tranquilas, sem risco – mas, fazer assim seria trair a nossa vocação batismal.
Poderemos nos perguntar - o que quer dizer para mim, para a minha comunidade,
movimento ou pastoral, “avançar para as águas mais profundas”?
Simão
não se mostra muito entusiasmado diante do convite do Senhor, pois ele, pescador
profissional – sabia muito bem que não se lançavam as redes naquela hora do
dia. Parece loucura. Assim, muitas vezes é hoje – o que Jesus nos pede parece
loucura aos olhos da sociedade consumista e excludente. Pois, como diz Paulo “a
loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais
forte do que os homens” (1Cor 1, 25). Mesmo assim, Simão lança a barca “em
atenção à Sua palavra” (v. 5). Aqui está o nó da questão - a atenção à Palavra
de Deus. O Salmo 95 (94), 7 reza: “Oxalá vocês escutem hoje o que Ele diz” -
pois Deus nos fala todos os dias. Uma fala exige atenção para que seja captada.
Deus nos fala sempre - mas, se não tivermos as antenas ligadas, não ouviremos.
E continuaremos acomodados nas águas rasas e tranquilas, enquanto a missão
exige que nos lancemos para águas profundas.
Pedro
reage já: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!” (v. 8). Como a luz
cria a sombra, a proximidade da santidade põe em relevo o pecado humano. O que
parece normal, segundo critérios humanos, fica claramente negativo diante dos
critérios do amor divino! Mas, Jesus não atende o pedido de Pedro - foi porque
somos pecadores que Ele veio! Pelo contrário, fala para Pedro não ter medo -
nem da sua fraqueza, nem da sua natureza pecaminosa, nem das suas falhas. Jesus
o chama tal como ele é. Ele nos ama, não como gostaríamos de ser, mas como
somos de fato. Não devemos ter medo da nossa realidade humana e pecadora, pois
todos nós carregamos “um tesouro em vaso de barro” (2Cor 4, 7), mas podemos caminhar
com confiança porque “se Deus está a nosso favor, quem estará contra nós?” (Rm
8, 1). Somos chamados a segui-Lo como somos. Porém, isso não pode nos acomodar,
pois o Evangelho deixa claro que quando os apóstolos foram chamados, deixaram
tudo para segui-Lo. O seguimento de Jesus sempre exige que deixemos algo. Resta
perguntar a nós mesmos: “O que é que o seguimento de Jesus exige que eu deixe,
neste momento na minha caminhada de discípulo/a”?
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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