Jo 21, 1-19
“É o Senhor!”
Quase todas
as traduções da Bíblia intitulam o capítulo 21 de João como “Apêndice” ou
“Epílogo”. Realmente, em uma primeira edição, o Evangelho terminava no capítulo
20. Mas, devido a uma situação nova nas comunidades, se tornou necessária a
adição do último capítulo. Essa situação era a fusão de dois tipos de
comunidades cristãs - as da tradição sinótica ou apostólica, e as da tradição
da comunidade do Discípulo Amado. Essa fusão aconteceu pelo fim do primeiro
século e é simbolizada nos versículos 15-18, onde Pedro recebe a primazia e a
missão de pastor dos discípulos. Mas somente recebe depois de ter afirmado três
vezes que amava Jesus . A comunidade do
Discípulo Amado aceita a função apostólica de Pedro, mas insiste que antes de
ser apóstolo é mais fundamental ser discípulo - ou seja, amar Jesus.
A primeira
parte do texto (vv. 1-14) tem grandes semelhanças com a história da “pesca
milagrosa” de Lucas (Lc 5,1-11), mas o contexto pós-ressurrecional é diferente.
Como sempre no Quarto Evangelho, devemos prestar atenção aos símbolos - sejam
eles pessoas, eventos, ou números. Chama a atenção que - embora seja a terceira
aparição de Jesus - os discípulos não o reconhecem. Isso demonstra que a
presença de Jesus depois da Ressurreição, embora real, não é igual à sua
presença durante a sua vida terrestre. Quem O reconhece primeiro é o Discípulo
Amado - pois só quem vê com olhos de amor reconhece e vê além das aparências.
Como foi o amor que o levou a correr mais depressa ao túmulo do que Pedro em Cap.
20, é o amor que faz com que ele seja o primeiro a reconhecer a presença de
Jesus ressuscitado. Ele é o Discípulo Amado e que ama. Pedro o será somente
depois da sua profissão de amor (vv. 15-17).
A pesca
simboliza a missão dos discípulos. Segundo muitos estudiosos (embora não haja
unanimidade), o número de 153 peixes se baseia no fato de que os zoólogos
gregos da antiguidade achavam que existiam no mundo 153 espécies de peixe.
Então, o Evangelho estaria dizendo que a Igreja (simbolizada pela rede) pode
abraçar o universo inteiro - todos os povos e culturas. É interessante que -
diferente da história contada em Lucas - a rede não se rompe! A diversidade de
culturas, tradições e povos constitui uma riqueza para a Igreja e não deve
levar a rompimento da unidade, sem que se imponha a uniformidade (a palavra
grega que João usa para “romper” é “schisma”). Certamente essa visão deve
desafiar e questionar tantas tendências de centralização e rigidez que existem
na Igreja hoje!
O nó da
questão está na entrega da missão a Pedro. Ele deve ser o Bom Pastor das
ovelhas e dos cordeiros - dos membros das comunidades. As ovelhas, porém, não são dele - ele é apenas o Pastor. As ovelhas pertencem ao Senhor! Aqui Pedro
recebe esta grande missão, que nos Sinóticos ele recebe na estrada de Cesaréia
de Felipe. Mas, mais importante do que a sua função é a sua vocação de
discípulo - aquele que ama e segue o Senhor. Só quem ama Jesus profundamente
poderá pastorear os seus seguidores. Se, no primeiro capítulo do Evangelho,
Pedro veio a Jesus por mediação do seu irmão André (Jo 1, 40-42), agora recebe
o convite do próprio Mestre: “Siga-me", pois no amor Ele fez a opção pelo
discipulado.
Todos nós
recebemos o mesmo convite: “Siga-me”. Seja qual for a nossa função e missão na
Igreja, elas só terão sentido na medida em que realmente amamos Jesus - um amor
que só é autêntico se amamos os outros, na luta comum em favor da construção de
um mundo onde todos/as possam “ter vida e vida em abundância” (Jo 10,10), pois “se
Deus nos amou a tal ponto, também nós devemos amar-nos uns aos outros” (1Jo
4,11).
Tomaz Hughes SVD
e-mail: thughes@netpar.com.br
Tomaz Hughes SVD
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