Lucas 7,1-10
“Senhor, eu não sou digno...”
A nossa leitura de hoje inspirou a frase
tão conhecida que usamos na Missa antes da comunhão, “Senhor, eu não sou digno
de que entres na minha casa, mas diga uma só palavra e serei salvo” (cf.
v.6). A profissão de fé em Jesus, feita
por um desconhecido oficial romano, à beira do Mar da Galiléia, tornou-se a
expressão da realidade de quem ousa aproximar-se da mesa eucarística. É na mesma hora um reconhecimento da nossa
fraqueza e também da grandeza e gratuidade de Deus, que supera qualquer falha
nossa.
A história situa-se bem dentro da
política lucana de nunca falar mal dos romanos (uma visão bem diferente da do
João no Apocalipse). Lucas é um grego, e
tem outra experiência do Império Romano do que os oprimidos judeus da Palestina
- uma experiência de opressão e exploração que os levaria a duas guerras
sangrentas e desastrosas, de 66/72 d.C e de 132/135 d.C. Também, o autor quer respeitar os seus
destinatários - nas comunidades das cidades gregas do Império - muitos dos
quais ligados às instituições romanas e imperiais.
O oficial na história era pagão, não
judeu, mas pertencia ao grupo conhecido como “tementes a Deus”. Isso é,
simpatizantes do judaismo, crentes no Deus único, mas não pertencentes
oficialmente à religião judaica. No
Império Romano muitos pagãos estavam cansados da idolatria e da imoralidade que
marcavam a sociedade, e admiravam o monoteísmo e seriedade ética do
judaísmo. Mas se recusavam a assumir a
prática da circuncisão e outros ritos. O
oficial em questão deve ser visto neste contexto.
Mas ele, embora sendo pagão, manifesta
mais fé do que os próprios judeus - a ponto de causar a exclamação de Jesus:
“Ouvindo
isso, Jesus ficou admirado. Voltou-se para a multidão que o seguia, e disse
: “Eu declaro a vocês que nem mesmo em
Israel encontrei tamanha fé!” (v.9).
Com profundo
respeito, ele nem pede que Jesus entre na sua casa - pois tal ação deixaria
Jesus ritualmente impuro! Tem confiança
absoluta em Jesus – basta a palavra dele para que a cura se concretize!Aqui
temos mais um exemplo do interesse de Lucas em enfatizar o poder da Palavra de
Jesus (por exemplo, na versão lucana da cura da sogra do Pedro, Jesus não toca
nela, como em Marcos, mas só ameaça a febre, e com a sua palavra, essa
deixa a mulher – Lc 4,39)
Um pagão serve de exemplo para a
multidão! Na boca de alguém considerado
“impuro” se expressa a mais profunda fé!
Quantas vezes a mesma coisa acontece hoje - pessoas consideradas
impuras, ou tolas, ou ignorantes, dão lição de fé a nós, às vezes formados na
teologia, praticantes dos sacramentos, estudiosos da religião? A fé não depende do grau do estudo - é uma
atitude profunda que brota da intimidade com Deus.
É de notar também a prontidão com que
Jesus atende o pedido para ajudar o oficial.
Embora esteja consciente que o homem é estrangeiro e pagão, a compaixão
faz com que Jesus não se amarra aos limites costumeiros da prática religiosa do
seu tempo, mas se prontifica até a entrar na casa de um “impuro”, pois para
Jesus, ninguém pode ser taxado de impuro.
“Senhor, dê-nos a fé do oficial romano,
e de muita gente simples e humilde. Diga uma só palavra e a nossa falta de fé
será curada! Ajude-nos também a cultivar a compaixão que derruba as barreiras
artificialmente criadas por causa da etnia, cultura, religião ou condição de
vida.”
Tomaz Hughes SVD
e-mail: thughes@netpar.com.br
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