Lc 2, 15-20
Apesar de a
mensagem de Lucas ser hoje quase abafada pela euforia do consumismo e
materialismo, que transforma
a grande festa cristã do Natal do Senhor numa verdadeira orgia pagã de
esbanjamento e exclusão, a história do nascimento do Senhor, contada nas
palavras singelas de Lucas, perdura ainda com a sua mensagem profunda de paz,
união, solidariedade e amor, que o néo-paganismo pós-moderno da nossa sociedade
é incapaz de ofuscar.
As Missas da
vigília e da aurora usam dois textos contínuos de Lucas, que realmente formam
um mosaico teológico de grande beleza, através da sua habilidade literária.
Lucas pega as tradições que põem a origem de Maria e José em Nazaré e juntou-as
às que colocam o nascimento de Jesus em Belém, e as insere na história humana e
universal, através das suas referências a grandes figuras históricas da época:
César Augusto, Herodes o Grande e o governador da Síria, Quirino. Nesse
contexto, ele tece uma rede que contém oito dos seus temas preferidos -
alimento, graça, alegria, pequenez, paz, salvação, “hoje”, e, universalismo,
para trazer à humanidade de todos os tempos “uma boa notícia, uma alegria para
todo o povo” (2, 10).
Embora haja uma
confusão sobre as referências cronológicas em Lucas, pois Quirino não foi
governador no tempo de Herodes e não se tem informações extra-bíblicas sobre um
recenseamento feito por Augusto, a finalidade de Lucas é situar o nascimento do
Salvador bem dentro da história humana, e especialmente a história humana dos
pobres e excluídos. Jesus nasce filho de viajantes, forçados a sair da sua casa
pela força opressora do império, pois, a finalidade de um recenseamento era
alistar todos para a cobrança de impostos. Assim, o Messias nasce em condições
subumanas e indignas, como nascem e se criam milhões de crianças todos os anos
na nossa sociedade atual. Como não teve lugar para eles na “hospedaria” (um
tipo de albergue para viajantes, onde os animais ficavam no pátio, no primeiro
andar tinha cozinha comunitária e no segundo andar dormitórios, algo ainda
comum em certas regiões do Oriente hoje), Maria dá à luz numa gruta ou
estrebaria e deita Jesus numa manjedoura.
Logo, Lucas
introduz mais personagens tirados dos excluídos da religião e sociedade de
então, os pastores. No tempo de Jesus eram considerados como delinquentes,
dispostos sempre ao roubo e à pilhagem; por isso, não mereciam confiança alguma
e nem podiam testemunhar em juízo. É importante notar que em Lucas são pessoas
pertencentes a duas categorias proibidas de dar testemunho em juízo (pastores e
mulheres) que Deus escolhe para testemunhar os dois eventos mais importantes da
história: o nascimento e a ressurreição do Salvador. O Natal se torna festa de
inclusão dos que a religião oficial e a sociedade dominante excluía, enquanto a
maioria da classe abastada da nossa sociedade atual celebra o Natal exatamente
nos templos de consumo de hoje, os Shoppings, onde pessoas pobres são excluídas
do banquete de poucos. Que contradição!
É importante também
por em relevo a mensagem dos anjos: “Glória a Deus no alto, e na terra paz aos
homens que ele ama” (v. 14). Aqui Lucas cria um binômio: dois elementos
conjugados, ou seja, uma maneira de dar glória a Deus no alto é a criação da
paz entre as pessoas aqui na terra. Atrás do termo “paz” há um cabedal de
reflexão teológica, vindo do Antigo Testamento. O nosso termo “paz” capta
somente uma parte do que significava a palavra hebraica “Shalom”, que não se
limita a uma mera ausência de violência física, mas inclui a realização de tudo
que Deus deseja para os seus filhos e filhas. Portanto, o texto natalino nos
convida e desafia para que demos glória a Deus através do nosso esforço em
criar um mundo de Shalom, onde todos possam “ter a vida e a vida em
abundância!” (Jo 10, 10)
É importante também
refletir como Lucas nos apresenta a pessoa da Maria neste texto. Enquanto todos
os que ouviam os pastores “assombravam-se” (v. 18), “Maria, porém, conservava
isso e meditava tudo em seu íntimo” (v. 19). Dois textos do Antigo Testamento
usam o mesmo verbo grego (synetèrein):
Gn 37, 11 e Dn 4, 28, para descrer a perplexidade íntima de uma pessoa que
procura entender o significado profundo de um fato. Assim, Lucas enfatiza que
Maria não captou de imediato todo o sentido do que ouviu, mas meditava as
palavras, contemplando-as, para descobrir o seu significado. Maria cresceu na
fé, acolhendo e discernindo o sentido profundo dos acontecimentos; se tornou
peregrina na fé, modelo para todos nós, nos convidando a nos mergulharmos nos
relatos evangélicos, contemplando os mistérios da vida de Jesus e o que eles
podem significar para nós hoje.
A festa de Natal é
uma oportunidade ímpar para nos aprofundarmos no sentido do amor de Deus por
nós, expressado na Encarnação. Mas, se fizermos d’Ele somente uma festa de
consumismo e materialismo, jamais colheremos os seus frutos. Sem deixar do lado
o seu lado lúdico, familiar e festivo, cuidemos para não sermos seduzidos pelos
ídolos do ter e do prazer, tão bem promovidos pelo marketing dos Shoppings.
Mas, retornemos à singeleza da gruta de Belém e redescubramos o motivo de uma
verdadeira “alegria para todo o povo”: nasceu para nós o Salvador!
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