Lucas
1,39-45
“Bendito
o fruto do seu ventre!”
Para entender bem a
finalidade de Lucas em relatar os eventos ligados à concepção e nascimento de
Jesus, é essencial conhecer algo da sua visão teológica. Para ele, o importante
é acentuar o grande contraste, e também a continuidade entre a Antiga e a Nova
Aliança. A primeira está retratada nos eventos que giram ao redor do nascimento
de João Batista, e tem os seus representantes em Isabel, Zacarias e João; a
segunda está nos relatos do nascimento de Jesus, com as figuras de Maria, José
e Jesus. Para Lucas, a Antiga Aliança está esgotada; os seus símbolos são
Isabel, estéril e idosa; Zacarias, sacerdote que não acredita no anúncio do
anjo; e o neném que será um profeta, figura típica do Antigo Testamento. Em
contraste, a Nova Aliança tem como símbolos a virgem jovem de Nazaré que
acredita e cujo filho será o próprio Filho de Deus. Mais adiante, Lucas
enfatiza este contraste nas figuras de Ana e Simeão, no Templo (Lc 2, 25-38),
quando Simeão reza: “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar o teu
servo partir em paz porque meus olhos viram a tua salvação.” (2, 29)
Assim, não devemos
reduzir o texto de hoje a um relato que pretende mostrar a caridade de Maria em
cuidar da sua parente idosa e grávida. Se a finalidade de Lucas fosse mostrar
Maria como modelo de caridade, não teria colocado versículo 56, que mostra ela
deixando Isabel na hora de maior necessidade: “Maria ficou três meses com
Isabel; e depois voltou para casa.”
Também não é
verossímil que uma moça judia de mais ou menos quatorze anos enfrentasse uma
viagem tão perigosa como a de Galiléia à Judéia! A intenção de Lucas é
literária e teológica. Ele coloca juntas as duas gestantes, para que ambas
possam louvar a Deus pela Sua ação nas suas vidas, e para que fique claro que o
filho de Isabel é o precursor do filho de Maria. Por isso, Lucas tira Maria de
cena antes do nascimento de João, para que cada relato tenha somente as suas
personagens principais: de um lado, Isabel, Zacarias e João; do outro lado,
Maria, José e Jesus.
O fato que a
criança “se agitou” no ventre de Isabel faz recordar algo semelhante na história
de Rebeca, quando Esaú e Jacó “pulavam” no seu ventre, na tradução da
Septuaginta de Gn 25, 22. O contexto, especialmente versículo 43, salienta que
João reconhece que Jesus é o seu Senhor. Com a iluminação do Espírito Santo,
Isabel pode interpretar a “agitação” de João no seu ventre - é porque Maria
está carregando o Senhor. As palavras referentes a Maria: “Você é bendita entre
as mulheres, e bendito é o fruto do seu ventre” (v. 42) fazem lembrar mais duas
mulheres que ajudaram na libertação do seu povo, no Antigo Testamento: Jael (Jz
5, 24) e Judite (Jd 13, 18). Aqui Isabel louva a Maria que traz no seu ventre o
libertador definitivo do seu povo.
Finalmente, vale
destacar o motivo pelo qual Isabel chama Maria de “bem-aventurada” (v. 45):
“Bem-aventurada aquela que acreditou.” Maria é bendita em primeira lugar, não
pela sua maternidade somente, mas pela fé, em contraste com Zacarias, que não
acreditou. Assim, Lucas apresenta Maria principalmente como modelo de fé.
Notemos que neste capítulo primeiro nós encontramos - na Bíblia - frases que
podem fundamentar uma compreensão correta da visão bíblica da pessoa e função
de Maria, que pode unir em lugar de dividir cristãos das diversas confissões:
“Ave Maria” (1, 28); “Cheia de graça” (1, 28); “O Senhor é convosco” (1, 28);
“Bendita sois vós entre as mulheres” (1, 42); “Bendito o fruto do vosso ventre”
(1, 42). Lucas nos apresenta a mãe do Senhor como modelo de fé para todos nós!
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