Lucas 10,25-37
“Vá, e faça a
mesma coisa”
A parábola do
“Bom Samaritano” talvez seja, junto com a do “Filho Pródigo”, a mais conhecida
de todas as parábolas de Jesus. Por isso
mesmo corre o risco de ser banalizada, de não ser levada muito a sério, de ser
relegada quase ao nível de folclore religioso.
Merece uma atenção mais minuciosa.
A parábola situa-se logo após Jesus ter
louvado o Pai por ter “escondido essas coisas aos sábios e inteligentes e
revelado aos pequeninos” (cf. Lc 10 ,21).
Realmente, o primeiro a tentar atrapalhar Jesus é um “sábio e
inteligente” - um especialista em leis.
Lucas salienta que ele fez a pergunta “O que devo fazer para receber em
herança a vida eterna”(v. 25), não
porque ele se interessava pela verdade, mas “para tentar Jesus”. Devolvendo a pergunta a ele, Jesus deixa
claro que o legista já sabia a resposta:“Ame o Senhor, seu Deus, como todo o
seu coração, com toda a sua alma, como toda a sua força e com toda a sua mente;
e ao seu próximo como a si mesmo.” Jesus simplesmente diz: “Você respondeu
certo. Faça isso e viverá”( v 28)
Mas com a petulância típica do
pseudo-intelectual, ele insiste, “para se justificar”, com uma segunda
pergunta: “E quem é o meu próximo?” (v29).
Mas Jesus não cai na cilada de fazer uma discussão teórica e estéril
sobre quem seja o próximo - ele logo traz o debate para o nível prático da
vivência. Ele conta a parábola do “Bom
Samaritano”. Vejamos.
Depois do assalto, passou pela vítima um
sacerdote que “viu o homem e passou adiante pelo outro lado”( v.31) . A mesma coisa aconteceu com um levita. Porque será que esses homens - ligados ao culto judaico - agiram assim? A resposta está nas leis de pureza daquela
época. O contato com um defunto, ou com
sangue, deixava a pessoa ritualmente impura, isso é, inapta para participar do
culto. Como o homem estava coberto de
sangue, e talvez morto, os dois não se arriscavam a tocar nele, pois para eles
o culto religioso era mais importante do que a misericórdia para com uma pessoa
sofrida. Não era, em si, uma atitude somente pessoal de duas pessoas maldosas,
mas demonstra uma tentação permanente de pessoas ligadas ao culto e o mundo
tido como “sagrado”- o perigo de viver alienadas do mundo real, onde as pessoas
vivem, sofrem, e lutam todos os dias.
Entra em cena
um samaritano. A religião dele era
considerada como cheia de deformações e ignorância pelo judaísmo oficial, pois
desde a invasão da Assíria em 721 a.C. a prática religiosa do povo samaritano tinha
sido contaminada por religiões pagãs (cf. II Rs 17,24-31). Mas quando ele vê o sofrimento alheio, ele
não pensa em discussões teológicas sobre pureza, mas parte para uma ajuda
prática, com misericórdia.
Terminando a história, Jesus devolve a
pergunta ao especialista em leis - mas faz uma mudança fundamental! Não faz a pergunta teórica “quem é o meu próximo”, mas uma pergunta
prática “quem se fez próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” A
primeira pergunta só levaria a uma discussão vazia; a de Jesus leva a uma
mudança de prática vivencial.
Forçado a
reconhecer que quem se fez próximo do sofredor era o samaritano, o legista
ouviu da boca de Jesus a conclusão:“Vá
e faça a mesma coisa”( v. 37).
Com esta
parábola, Jesus quer ensinar que nada, nem o culto, tem prioridade sobre a
ajuda a uma pessoa necessitada. A
religião de Jesus não é teoria, é prática de misericórdia, pois Deus é
misericordioso. Como diz o Evangelho de
Mateus, baseando-se em Oséias 6,6: “Aprendam, pois, o que significa: “Eu quero
a misericórdia e não o sacrifício”. Por
que eu não vim chamar justos, e sim pecadores”( Mt 9,13). O legista já sabia a orientação da Escritura,
mas tentava escapar das suas conseqüências, criando discussões inúteis. Nós também sabemos o que diz a Bíblia, - não tentemos esvaziá-la com debates estéreis
sobre quem é “o pobre”, “o aflito”, “o próximo”, “o bom”. Façamos o que Jesus ensina nesta parábola “e
viveremos”.
Tomaz Hughes SVD
e-mail: thughes@netpar.com.br
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