Lucas
12, 32-48
“Onde
está o seu tesouro, aí estará também o seu coração”
Esse
trecho do capítulo doze retoma em grande parte o tema do domingo anterior - a
questão do relacionamento do cristão e da comunidade com os bens materiais. A
comunidade cristã é caracterizada como “pequeno rebanho” - certamente pequena
diante da força e enormidade do sistema do Império Romano. Aqui não é tão
importante a sua pequenez em termos numéricos, mas em termos da sua importância
e força dentro da sociedade - a fraqueza dela é gritante, e devia ter provocado
insegurança e medo em muitos dos seus membros. Por isso, as palavras de
encorajamento: “Não tenha medo, pequeno rebanho, porque o Pai de vocês tem
prazer em dar-lhes o Reino” (v. 32).
O rebanho não
tem muitos bens materiais, mas terá os bens mais importantes - os do Reino.
Esta idéia nasce do versículo anterior a este trecho: “Busquem o Reino d’Ele e
Deus dará a vocês essas coisas em acréscimo” (v. 31). Estes bens virão na
medida em que a comunidade vive a partilha, ou seja, se coloca na contramão de
uma sociedade de ganância e exploração, repartindo o que tem. Retomando o tema
do último domingo, Jesus adverte: “De fato, onde está o seu tesouro, aí estará
também o seu coração” (v. 34).
Esse
último versículo nos desafia a fazermos uma meditação mais profunda sobre os
valores da nossa vida. Onde - realmente, e não teoricamente - está o meu
tesouro? Em que eu de fato ponho a minha confiança? Sobre o que estou baseando
a minha vida? Qual é a minha experiência prática de partilha? Quais são os
verdadeiros tesouros da minha vida?
Em
seguida, Lucas nos coloca diante das exigências de vigilância e
responsabilidade. Embora muitas vezes se interprete este trecho sobre a vinda
do Senhor em termos do “fim do mundo”, ou referindo-se ao momento da nossa
morte, realmente esses versículos têm uma abrangência muito maior. A ênfase não
está no fim, mas na atitude que nós devemos ter sempre em nossa caminhada.
Sempre devemos estar alertas, para não perdermos o momento de Jesus passar em
nossa vida. Ele chega para nós, não somente na hora da nossa morte, muito menos
no fim do mundo, mas todos os dias, nas pessoas, nos acontecimentos da nossa
realidade, na comunidade em que vivemos. Jesus aqui exige uma atitude de busca
permanente do Reino, através de uma vida de serviço fraterno. Como diz o
teólogo José Pagola no seu livro sobre Lucas, “é surpreendente a insistência
com que Jesus falas da vigilância. Pode-se dizer que Ele entende a fé como uma
atitude vigilante que nos liberta do absurdo que domina muitos homens e
mulheres, que andam pela vida sem meta nem objetivo nenhum” (Pagola “O caminho
aberto por Jesus” Vozes p.213.) Os
versículos 41-46, e o fato que a pergunta é feita por Pedro, porta-voz dos
líderes da comunidade em Lucas, indicam que a mensagem aqui é dirigida em
primeiro lugar aos que têm a função de dirigente na comunidade. Os dirigentes
cristãos não têm estes ofícios para exercer um poder, para dominar, mas muito
pelo contrário, para melhor servir. Somos alertados para que não deixemos a
corrupção do poder tomar conta da nossa vida. Como os dirigentes das
comunidades têm consciência dos seus deveres, muito mais ainda é a sua
responsabilidade: “A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi
confiado, muito mais será exigido” (v. 48).
Aqui o trecho
alarga a sua visão para incluir não somente uma possível corrupção do projeto
cristão através do apego aos bens materiais, mas também através do apego ao
poder, quando este é usado não como serviço, mas como dominação e projeção
pessoal por parte dos dirigentes cristãos. Talvez, não haja corrupção mais
sutil do que a do poder, manifestada em carreirismo, autoritarismo e
auto-projeção dentro das Igrejas. Vale a advertência já feita no século XIX
pelo historiador católico inglês, Lord Acton: “Todo o poder tende a corromper,
e o poder absoluto corrompe absolutamente!”
Lucas
convida a todos, especialmente os dirigentes, à vigilância, para que o nosso
verdadeiro tesouro seja o serviço fraterno, como concretização do projeto de
Jesus, e não a ganância, o poder, a dominação.
Tomaz Hughes SVD
e-mail: thughes@netpar.com.br
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