Lucas
13, 22-31
“É
verdade que são poucos os que se salvam?”
Jesus continua a sua caminhada em
direção à Jerusalém, e no caminho, prossegue ensinando os seus discípulos. O
debate agora é sobre uma questão que sempre intrigava os cristãos - e também os
de outras crenças: “É verdade que são poucos aqueles que se salvam?” (v. 23).
Durante
muito tempo, o assunto de muitas pregações nas igrejas era a condenação.
Falava-se muito mais em pecado do que na graça, no diabo do que em Jesus, do
inferno do que no céu ou no projeto de Jesus para este mundo. Infelizmente,
especialmente nos ambientes fundamentalistas, tanto católicos como
protestantes, essa tendência volta a vigorar. É só assistir certos programas de
TV e rádio! Neste trecho Jesus nos ensina como enfrentar esta questão!
Chama
a atenção que Jesus não responde à pergunta. Ele não indica se são muitos os
que se salvam, ou não. A preocupação d’Ele é que as pessoas vivam de acordo com
o projeto de Deus. Nisso encontrarão a salvação. Por isso, ele desvia a atenção
do ouvinte da questão do “além morte” para que volte à vivência prática da fé.
O conselho d’Ele é claro: “Façam todo o esforço possível para entrar pela porta
estreita” (v. 24). Resta perguntar - em que consiste esta “porta estreita?” O
texto nos dá a resposta: “Ele responderá: “Não sei de onde são vocês.
Afastem-se de mim todos vocês que praticam a injustiça” (v. 27)
Interessante
que Deus afastará os que praticam a injustiça - não fala daqueles que têm
fraquezas humanas, que têm uma fé diferente, que ignoram as verdades da
teologia - ou seja, se preocupa com a prática da injustiça. Pois o seguimento
de Jesus é basicamente isso, o amor prático, que se manifesta na justiça. Sem
esta prática, simplesmente a fé é vã! A “porta estreita” é a prática da
justiça!
Jesus
adverte que talvez não sejam os que conhecem a sua mensagem que irão herdar o
Reino. Pois o critério do julgamento não será o conhecimento teórico do
evangelho, mas a sua vivência concreta na justiça, conforme ele diz: “Muita
gente virá do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa
no Reino de Deus” (v. 29)
Diante
do fechamento do judaísmo farisaico, com a sua religião nacionalista, Jesus
abre perspectivas ecumênicas - a salvação não se restringe aos que faziam parte
oficialmente do Povo de Deus! Virão pessoas do mundo todo - as pessoas que,
mesmo sem conhecer a Bíblia - viviam a luta pela justiça!
É
impossível, no nosso mundo de exclusão, fugir da questão da justiça. A
Conferência de Santo Domingo, seguindo as de Medellin e Puebla, já perguntou
como era possível que as piores injustiças do mundo se dão exatamente no
continente nosso, que se diz cristão! A Conferência de Aparecida continuou com
essa preocupação. Como é possível que nos países oficialmente católicos há
tantos rostos do Cristo crucificado? Não é possível ser cristão sem lutar em
favor das pessoas com “rostos desfigurados pela fome, rostos desiludidos pelas
promessas políticas, rostos humilhados de quem vê desprezada a própria cultura,
rostos assustados pela violência cotidiana e indiscriminada, rostos angustiados
de menores, rostos de mulheres ofendidas e humilhadas, rostos cansados de
migrantes sem um digno acolhimento, rostos de idosos sem as mínimas condições
para uma vida digna” (João Paulo II, Vita
Consecrata nº 76).
Não
devemos medir o nosso cristianismo e a pujança da nossa fé pelos belos
edifícios e imponentes matrizes, nem pelas belas celebrações e concentrações
nas grandes ocasiões, por tão válidas e até importantes que possam ser. Meçamos
a nossa fé, a nossa adesão ao Reino pelo nosso empenho em prol dos empobrecidos,
pelos injustiçados, não nos limitando a uma ação meramente assistencialista
(por tão imprescindível que tais ações sejam), mas também nos engajando na luta
pela mudança estrutural de uma sociedade cujo projeto de vida - o
neo-liberalismo selvagem - nada mais é do que um projeto de morte, e portanto
anti-evangélico e pecaminoso.
É
mister unirmos as nossas forças às das pessoas de boa vontade de todas as
crenças e de nenhuma, para que em parceria defendamos a vida ameaçada na
sociedade moderna. Aprendamos de Jesus neste trecho - ele não permite que os
seus interlocutores fiquem olhando somente para o que acontecerá depois da
morte, lá no além, mas insiste que olhem para a vida cotidiana, com as suas
exigências em favor dos oprimidos. O
grande teólogo dominicano sul-africano, Albert Nolan, tocou nessa questão
quando escreveu no seu livro “Jesus Antes do Cristianismo”: “De um modo geral,
quer nos denominemos cristãos, quer não, não costumamos tomar Jesus a
sério. Existem notáveis exceções, mas,
habitualmente, nós não amamos os nossos inimigos, não damos a outra face, não
perdoamos setenta vezes sete, não abençoamos quem nos insultam, não partilhamos
aquilo que temos com os pobres nem colocamos toda a nossa esperança em Deus”....“Jesus
tem sido mais frequentemente honrado e venerado por aquilo que ele não
significou, do que por aquilo que ele realmente significou. A suprema ironia é que algumas das coisas, às
quais ele mais fortemente se opôs na sua época, foram ressuscitadas, pregadas e
difundidas mais amplamente através do mundo – em seu nome.”(Nolan – Jesus antes
do Cristianismo p. 15)
Ressoa uma advertência para nós que somos
frequentadores das Igrejas, que conhecemos os ensinamentos do Evangelho, e que
talvez caiamos na tentação de um certo elitismo religioso: “Vejam: há últimos
que serão primeiros, e primeiros que serão últimos” (v. 30). Ser primeiro ou
último, acolhido ou afastado, depende em primeiro lugar do nosso empenho pela
justiça!
Tomaz Hughes SVD
e-mail: thughes@netpar.com.br
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