O evangelista Marcos (também se chamava João Marcos)
foi participante das comunidades cristãs primitivas. Conheceu a Jesus através
do testemunho marcante de sua mãe, chamada Maria (cf. At 12,12). Em sua casa,
em Jerusalém, reunia-se uma comunidade. Aí os cristãos e cristãs faziam
orações, celebravam a ceia e recordavam as palavras e ações de Jesus. O próprio
São Pedro frequentava esta casa. Mais tarde, Marcos tornou-se missionário junto
com seu primo Barnabé e Paulo (cf. At 12,25; 13,5). Acompanhou também a Pedro
que tinha por Marcos uma predileção muito especial: ele o chamava de filho (cf.
1Pd 5,13).

Este acontecimento foi precedido pela chamada
“guerra judaica”, onde o grupo dos Zelotes liderou um movimento de forte
oposição ao Império Romano. Certamente os cristãos se perguntavam se deviam ou
não participar deste movimento. Alguns a favor, outros contra: criaram-se
divisões internas. Além disso, entre as lideranças comunitárias, existiam
conflitos de poder, competições, invejas, ciúmes... Conflituoso também era o
relacionamento entre os cristãos de origem judaica com as pessoas estrangeiras.
Havia ainda problemas sociais muito sérios: gente marginalizada, doente,
oprimida...
Dá para imaginar que estas situações causavam crises
muito sérias que afetavam profundamente a vida das comunidades cristãs. Muitas
pessoas até se perguntavam se valia a pena seguir a Jesus; algumas desistiram
deste caminho e seguiram outras propostas menos exigentes, acomodando-se no
ninho do poder e buscando seus próprios interesses...
Marcos e sua comunidade, inspirados e fortalecidos
pelo Espírito Santo, sentem que devem fazer alguma coisa para ajudar a superar
estas crises. Constatam, em suas reflexões, que há graves desvios da prática de
Jesus, expressos no cotidiano da vida das comunidades cristãs. Decidem, então,
resgatar, por escrito, a pessoa e a proposta de Jesus Cristo. E o fazem em
forma de “Evangelho”: Boa Notícia que ilumina e transforma a vida de todas as
pessoas que a lêem, a ouvem atentamente e a põem em prática.
O grande objetivo do Evangelho de Marcos é revelar
quem é Jesus. Desde o início vai deixando claro que Ele é o Filho de Deus. Esta
revelação está no começo, na apresentação do Evangelho (1,1) e confirmada por
Deus Pai no Batismo de Jesus (1,11); está no meio, quando Pedro, em nome de
todo o grupo dos discípulos, expressa que Jesus é o Cristo (8,29) e novamente
confirmada por Deus Pai na Transfiguração (9,7); e está no fim, no momento da
morte de Jesus, quando o centurião declara: “Verdadeiramente este homem era
Filho de Deus” (15,39).
Podemos dividir o Evangelho de Marcos em duas
grandes partes. O texto divisor é o da declaração de fé de Pedro (8,27-30). A
grande preocupação da primeira parte é narrar as ações de Jesus, com a intenção
primordial de mostrar que o Filho de Deus veio ao mundo para libertar o ser
humano de tudo o que o oprime. Grande parte do Ministério de Jesus acontece ao
redor do Mar da Galiléia, no meio de pessoas necessitadas, com incursões
rápidas para regiões vizinhas. Vemos que Jesus é normalmente acompanhado pelos
discípulos e uma grande multidão. Os discípulos, porém, têm uma grande
dificuldade de entender quem é, realmente, Jesus. Olham para ele e o
acompanham, imaginando que fosse um grande líder que poderia tornar-se rei, à
moda dos poderosos deste mundo. Assim, eles também poderiam satisfazer suas
ambições, tornando-se grandes. Estão, na verdade, totalmente cegos.
Na segunda parte, Jesus vai preocupar-se
essencialmente com a formação de uma nova consciência nos discípulos. As
multidões diminuem. Aqui, a intenção é mostrar que tipo de Messias é Jesus. Os
discípulos precisam ser curados de sua cegueira. A caminho de Jerusalém, Jesus
insiste que vai ser perseguido, preso, condenado e morto. Os discípulos não
entendem e não admitem que tal coisa aconteça. Pelo contrário, discutem entre
si quem vai ser o maior. Na verdade, somente vão entender quem é Jesus, após
sua morte.
O Evangelho de Marcos, portanto, nos revela o
verdadeiro rosto de Jesus, o Filho de Deus, que morou entre nós e nos resgatou
de nossa condição de pecadores para uma vida em plenitude. Ele veio para servir
e não para ser servido. Este é um dos principais recados deste Evangelho: os
seguidores e seguidoras de Jesus não devem entrar no jogo do poder. O Reino de
Deus – o mundo de fraternidade, de justiça e de paz -, somente acontecerá se
promovermos entre nós, a partir de nossa casa e de nossa comunidade, relações
baseadas no serviço mútuo, no perdão recíproco, na tolerância respeitosa, na
partilha segundo a necessidade de cada pessoa... Enfim, o Reino de Deus está no
meio de nós, na medida em que assumimos atitudes cotidianas que expressem o
amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.
Celso Loraschi
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